24/03/2013

PORTUGAL


 

     A chuva trouxe-me de volta a realidade. Ao longe relâmpagos clareavam as nuvens escuras. Ventos sopravam ordens de evacuação. Eu, percebendo os riscos de ali permanecer, saí em busca de um abrigo onde não houvesse a possibilidade de ser atingido por um raio. Já alcançando o calçadão me virei e vi que rapidamente se aproximava a tempestade. Um relâmpago clareou toda a praia, fazendo-me temer por um enorme trovão, porém ouvi apenas um leve barulho ao longe, sinal de que relâmpagos ainda mais carregados estavam por vir.
     Eu gostava de olhar o mar. Fazia-me bem aquela imensidão. Naquele dia estava a imaginar uma viagem a Portugal. Eu sabia que Portugal ficava ao norte, a milhares de quilômetros de distância de onde eu estava. Cidades como Funchal, Porto, Sintra, Fátima, Lisboa, alimentavam meu desejo de atravessar aquele mar. Havia ainda a meu favor o mesmo idioma – o belo e rico idioma português. Um trovão ecoou sobre minha cabeça, algumas pessoas que se encontravam na barraquinha de vender coco entreolharam-se, disfarçando a sensação de medo causada pelo enorme barulho. Pedi uma água de coco e, caminhando rapidamente pelo calçadão fui para o apartamento onde morava, o qual ficava a uns trezentos metros da praia. Lá chegando tive que subir seis andares pela escada, devido à falta de energia motivada pela tempestade. Uma revista sobre a mesa tinha como manchete – O Fado de Amália Rodrigues. Eu adorava ouvir Amália Rodrigues, mas novas fadistas também me tinham conquistado como Mariza, Carminho, Ana Moura, Cuca Roseta, Maria Ana Bobone, Dulce Pontes, entre outras.

     Minha ligação com o mar levara-me ao fado, assim como o frevo de bloco, música originária do Recife, minha cidade natal, me levava a navegar nas águas de seus rios. Ambos, o fado e o frevo, embora bastante diferentes, trazem sentimentos que mesclam amor e saudade. Um frevo muito cantado, principalmente em nossos carnavais, diz: “É lindo ver o dia amanhecer com violões e pastorinhas mil" um outro “Vejo o Recife prateado à luz da lua que surgiu, há um poema aos namorados, no céu e nas águas dos rios.” Difícil não se emocionar!  Enquanto eu cantarolava frevos e fados, músicas que mais recordações me traziam, lá fora a chuva caía anunciando o início do inverno. Passados aproximadamente uns quarenta minutos a tempestade passou, a energia voltou e a realidade foi aos pouco retornando – hora de preparar-me para ir ao trabalho.  Alguém bateu à porta. Terminei de vestir-me rapidamente e fui atendê-la - era minha vizinha do quarto andar, ela cumprimentou-me entregando-me um prato com alguns bolinhos de bacalhau. Entendi a mensagem: Ela me escutara cantarolando fados e trouxera-me aqueles bolinhos, tão apreciados pelos portugueses. Pedi-lhe desculpas por incomoda-la com minha cantoria. Ela, sorrindo, disse-me ter ficado muito feliz por escutar-me cantar e que a falta da energia contribuíra para isso. Percebi, pelo sotaque, que ela era portuguesa e convidei-a a entrar. Ela agradeceu dizendo ter algo urgente a fazer, deixando evidente certo desconforto ao olhar para mim.  Quando ela se foi, ainda com o prato na mão, observei que estava com a camisa pelo avesso, além de desabotoada. Tive raiva de mim! Uma mulher bonita e elegante bate à minha porta, para gentilmente trazer-me alguns bolinhos de bacalhau, e eu, além de certamente estar cantando horrivelmente desentoado, estava malvestido. Pensei em desculpar-me num outro dia, presenteando-a com um bom vinho, depois pensei: Teria ela pensado que eu era português? Não! Ela já me tinha encontrado de outras vezes e me ouvira cumprimentar o porteiro e, logicamente, percebera meu sotaque brasileiro.

     Passados alguns dias encontrei-a no elevador, estava com duas malas e parecia ansiosa. Perguntei-lhe se a viagem seria longa. Ela sorriu para mim e, num lindo sotaque português, disse: "Se Deus me permitir voltar, voltarei, se não, ficarei feliz em minha terrinha." Que seria...? Perguntei-lhe. Ela sorriu mais uma vez e disse: "Lisboa". Tive vontade, naquele momento, de pegar minhas malas e embarcar junto com ela para Lisboa, afinal era também um pouco filho daquela terra. O elevador chegou ao térreo, ajudei-a a colocar suas malas no carro e agradeci, mais uma vez, pelos bolinhos. Ela estendeu-me a mão dizendo: "Se algum dia fores a Lisboa ficarei feliz em mostra-la para ti!" Ruborizei de surpresa e felicidade. Ela entrou no carro e partiu para o aeroporto.

      No dia seguinte voltei a praia, sentei no areia e rabisque feliz: Lisboa que me aguarde!



Suely Sousa

Recife/PE
 

13/03/2013

ALIENADA


Eu quero ser Feliz!
Se for preciso... alienada.
Não quero essa informação
Essa informação desenfreada
Que a dor da humanidade estampa
Numa ganância danada.
Eu quero ser feliz!
Se for preciso... alienada.
A ser cúmplice passiva
De alguma cena macabra
Repetida tantas vezes
Até que me venham as lágrimas.
Eu quero ser feliz!
Feliz sem ser alienada,
Mas não vou carregar uma cruz
Uma cruz que a mim não foi dada
Que de longe é trazida
Para que sofra a minha alma.
Eu quero ser feliz!
Feliz sem ser alienada
Equilibrando minha vida
Numa linha imaginária
Onde o eixo não permita
Que ela seja manipulada.


Suely Sousa
Recife/PE

09/03/2013

NIRVANA (HOMENAGEM AOS JAPONESES)


A ante-sala do céu se encheu de japoneses
Espantados
Cansados
Molhados.
Silenciosos caminhavam a procura de seus familiares
que, um a um, chegavam
e curvavam-se num ojigi emocionado.
Momento feliz do reencontro!
Em suas vestes rasgadas
pedaços de sargaço
e um forte cheiro de mar.
E adentraram no grande salão.
Onde não mais cabe a invasão de poetas!

Suely Sousa
Recife/PE


Com respeito e admiração.

03/03/2013

VIAJANTE


O homem que carrego comigo
Não é um homem de se mostrar
É um homem silencioso
Que vive à beira do mar.
Um homem horizonte
De profundezas no olhar
Que segue junto comigo
Dentro de mim a viajar.


Suely Sousa
Recife/PE

SAUDADES ANTECIPADAS


Já sinto saudade deste planeta iluminado
Dos seus mares azuis
Dos seus rios e lagos
Das árvores frondosas
Do cheiro do mato.
Não sei quantos anos me restam...
Quem sabe um?
Talvez dois... no máximo,
pois sinto o peso dos anos
na lentidão de cada passo.
A vida aprendi a vivê-la
jogando fora o que há de amargo
e cultivando na lembrança
o que de melhor fiz no passado.
Das amigas... recordo-me angustiada
por que não sei por onde andam
nem por que estão caladas.
Na família... meu lamento
pois temo não poder ver
o rumo que a vida traçou
para cada  deles viver.
Ah! Quem dera em sua benevolência
Deus pudesse me olhar
e me desse mais uns anos
para os cem eu ver chegar
talvez fosse da vida
mais difícil eu me afastar,
mas certamente eu partiria
sem esta saudade a me matar.


Suely Sousa
Recife/PE

01/03/2013

AMY WINEHOUSE




O que dizer das noites não vividas
Dos dias que não se abriram
Das lágrimas caídas
Das lágrimas engolidas
Ou das faces que sorriram?
O que dizer aos que aqui ficaram?
Que assim morrem os fracos?
Ou que assim morrem os que não sabem viver?
Dizer o quê?
Que o vicio, a droga, o crack
sua vida levou?
Ou pensar que o destino
sua vida traçou?
O que dizer do corpo franzino
Dos olhos borrados
Dos coques malfeitos
Dos tropeços nos palcos?
Nada!
Dizer sim...
Dizer da voz exuberante
Das belas cantigas que cantou
Da lástima que foi sua partida
Das músicas que não cantou.


Suely Sousa
 
Recife/PE


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